Ouvir o Dia...

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Há dias assim...


Em que a chuva também nos molha por dentro e nos deixa a alma encharcada.
Nesses dias, só um abraço grande e sem relógio parece ter a capacidade de nos secar...


quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Uma leve desconfiança...


Tenho cá para mim que num certo roupeiro lá de casa anda traça. Então não é que os cabides, outrora tão grandes para aquelas roupas, andam a encolher de dia para dia!
Ora digam lá se não é traça!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Para ti!





Os amigos estão onde está o coração.
Estão no afecto de um murmúrio,
estão no perfume de uma carta,
estão na cumplicidade de um silêncio,
estão num retrato sem data
ou no ínfimo recanto de uma casa
onde a memória de um brinquedo
resgatou a infância ao esquecimento,
estão no júbilo de uma tarde de Verão
ou no vazio que só as lágrimas
julgam ser capazes de preencher.

Os amigos estão onde está o coração.
Estão dentro de um livro
ou à volta de uma mesa
na penumbra de uma sala inquieta,
estão na zona imaterial e secreta
daquilo a que por vezes receamos chamar alma,
estão na infinita ternura de um abraço,
no consolo inesperado de um telefonema nocturno.

Os amigos estão onde está o coração.
Alguns, com o tempo, tornam-se irmãos,
tamanhos foram as provas que a vida,
sem aviso e sem alarde, lhes quis impor.

Os amigos estão onde está o coração.
Têm um copo na mão, para celebrar,
um poema adiado na secura dos lábios,
têm uma flor e um pássaro
no cofre dos tesouros inenarráveis,
têm sempre o nosso nome presente
quando é preciso dar a vez,
ou apenas quando é preciso,
têm um livro de lembranças
onde não cabem o deve e o haver,
têm o mar ao fundo, atrás de uma janela,
e não deixam que a amizade
se resuma à solidão branca e uma ilha.

Os amigos estão onde está o coração.
São a claridade e são o tecto, são o tacto,
a porta que se abre quando a mágoa dói,
são o que está para além
da tenaz, do espartilho, da teia dos interesses,
são a voz que nada pede em troca
para dizer que está presente,
são o que sobra e sobrevive quanto tudo o mais
parece estar contaminada e ferido.
Falo, claro, dos amigos verdadeiros, pois não conheço outros.

Os amigos estão onde está o coração.
Estão na guerra como na paz, de pé,
desarmando a surdina da intriga
e o veneno letal da calúnia,
estão onde as palavras não chegam
e os dias minguam de tristeza
porque a razão que os move não prescreve,
porque o afecto que os anima não tem preço,
porque o fogo que os mantém não queima nem divide.
Porque é eterno como a felicidade de um instante.


José Jorge Letria

Ele anda por ai!

Felizmente, a maior parte das crianças de hoje já percebeu que o diabo é apenas mais uma opção de máscara de Carnaval ou de Dia das Bruxas. O tipo até é engraçado, atrevido, diferente, e no seu provocante vermelho e preto, com rabo em forma de seta, até parece uma espécie de supre-herói das partidas. É por isso que, se lhes dissermos que hoje ele anda à solta, elas vão perceber que este vento, que traz tudo pelo ar e nos deixa literalmente de cabelos em pé, só pode ser obra de um capeta tão divertido! E, se não podes vencê-lo, que tal juntares-te a ele? Ao capeta? Não, ao vento!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Meninos e Meninas, Homens e Mulheres, Pais e Mães

Hoje sou pai, tenho um filho e duas filhas, e faço o melhor que posso. Preocupei-me em não fazer distinções absurdas na educação dos dois sexos. Disso dei noticia a um amigo que me tranquilizou. Que nada, educar rapazes e raparigas era igual, apenas com uma pequena, subtil diferença. Dizia ele: «tudo igual excepto quando chegam aos 10 anos e o teu filho anuncia que tem uma namorada na escola. Interessas-te, interrogas se é bonita ou feia, loira ou morena, sorris e fazes festas na cabeça, sinal seguro de aprovação. A tua filha chega a casa e declara com idêntico brilho nos olhos, que também ela, na Primária, tem um namorado. Resposta imediata, ancestral, e, no fundo, higiénica: Qual namorado qual quê, vamos mas é tomar banho!»
Era o que eu temia.
Os pais são o terror dos pediatras. É cada vez mais frequente as crianças virem à consulta trazidas pelo pai. A mãe? Pergunto, e quase sempre a resposta indica uma obrigação profissional, uma reunião de trabalho, uma viagem ao estrangeiro. Porém, esta igualdade entre os sexos é mais aparente do que real. Experimentem perguntar ao pai moderno informações essenciais, como a data das vacinas, ou o inicio do andar, a necessidade de receitas ou análises, e verão surgir de pronto, tímido, o telemóvel, e a pergunta envolta numa bruma de embaraço óbvio: « O Doutor importa-se que ligue à minha mulher?».
As palavras são, mais uma vez, de Nuno Lobo Antunes. Não, não é impressão vossa, ando a ler o Sinto Muito! Este texto foi retirado da crónica Dia do Pai.
Tenho cá para mim que há aqui uma verdade assumida e outra escondida, ainda que com o rabo de fora... A primeira é que, por muito cúmplices que os pais sejam das suas meninas, a chegada de um aventureiro à vida delas os deixará sempre com o coração nas mãos. A segunda é que, verdade, verdadinha, muitos pais sempre tiveram alguma pena de se verem tão afastados da educação dos seus filhos, de os acompanhar de perto no seu crescimento. E talvez seja menos importante procurar culpados do que recuperar, tão rapidamente possível, o tempo perdido. Estes recentes pais presentes são cada vez mais e melhores e, ainda que gatinhando, anseiam crescer e ficar grandes. Assim estejam todas as mães dispostas a ajudar!

domingo, 26 de outubro de 2008

Desertos de Afectos

Numa entrevista à Pública no passado dia 12, pelas linhas e entrelinhas traçadas por Anabela Mota Ribeiro, António Lobo Antunes, finta, esquiva-se e chuta para canto, sempre que o jogo aproxima um golo à baliza dos afectos. A propósito da confissão de que apanhava pancada, Anabela Mota Ribeiro deixa no ar a frase: Normalmente não fala disso. Fala é de não lhe darem beijos ou um prato com bolachas e leite quando estava doente. Lobo Antunes prossegue o seu jogo, noutra direcção. Ela, estrategicamente distraída, deixa-o ir para mais à frente tornar a frase solta nisto: A pergunta é: porque fala menos da violência física que da violência emocional. De não ter sido mimado. O menino-homem dribla e brinca com a bola. Não responde. Ela deixa-o entretido, para que seja ele a distrair-se e, mais à frente, implacável: No Arquipélago da Memória escreve: "Se me abraçassem, recusava indignado, e no entanto abracem-me." E a outra, referindo-se à personagem Mãe: "Uma ocasião pegou-me na cara, tive medo que me desse um beijo". Desta vez já não fugiu. Falava-se não de si mas das suas personagens... Na resposta, depois de uma reflexão final em que diz: "Temos tanta dificuldade em aceitar aquilo que mais desejamos", é ele quem acaba por fazer uma pergunta: "As pessoas deste livro pedem muita ternura, é?". A entrevista podia ter acabado ali.

No recém-publicado Sinto Muito de Nuno Lobo Antunes, o texto introdução do autor começa assim: "Em criança, agarrado ao meu peluche, sentia-me órfão de pais vivos, filho único de seis irmãos. Não me sobrava inteligência, não seduzia pela beleza. Vulgar, portanto, igual às outras crianças, as que não eram lá de casa. Foi talvez por isso que a minha mãe disse, um dia, que de mim não queria mais de um «dez». Profecia que foi uma sentença que, obedientemente, cumpri toda a vida." Mais à frente esclarece: "A minha relação com a Medicina foi precoce. Adoeci criança, e a coisa mais notável que fiz até aos vinte anos foi quase ter morrido. A sério, todos os outros tinham graças para contar, tiradas geniais, ingenuidades soberbas de criança. Pela minha parte, nasci prematuro e, não satisfeito com isso, perdi peso. Além do mais, tive uma peritonite aos três anos de idade, em Agosto, o que era duplamente inconveniente. Ficou-me, no entanto, a imagem da criada a passar na ombreira da porta, tomando conta, e também o egoísmo com que guardei uns carrinhos de pista que alguém me ofereceu. Não deixei ninguém brincar, e paguei com isso o preço do remorso que ainda hoje me aflige."

Tendo coincidido em tempos de leitura quase simultâneos, estes dois registos, destes dois irmãos, não puderam deixar de me agitar as águas das emoções. Sendo homens e irmãos as suas palavras são ainda mais reveladoras. Reveladoras de um mundo masculino que se insiste em manter fechado, a cadeado, ou trancado a sete chaves. O que mais me impressionou, tratando-se de homens bem maduros, foi a visível inconformidade, até mesmo indignação e incómodo, que ainda guardam em relação a uma infância vazia de afectos. Mas, apesar de tudo, é mais estranho pensar que o mundo dos afectos ainda seja tido como um monopólio feminino. Se é assim, onde está o colo da mulher-mãe que lhes faltou? E que mulheres-amantes se cruzaram na vida destes meninos-homens para que este colo ainda permaneça por saciar?

sábado, 25 de outubro de 2008

Quanto vale um sonho?

Não me lembro, nem em miúda, de alguma vez ter sonhado ser cantora, assim como também nunca tive nenhuma apetência pela aprendizagem de um instrumento. Não foi por isso, por essas razões, que esta história me fez lembrar o valor dos sonhos na nossa vida.
A esta altura do campeonato, é já muito difícil que haja alguém que não tenha ouvido falar da Ana Free. E, acaso o nome nada diga, menos provável ainda é que os ouvidos não se tenham já cruzado com a música do primeiro clip aqui ao lado, a não ser que ande completamente a leste do paraíso!
Ana Free tem 21 anos, é portuguesa e vive no Reino Unido. A maior parte de nós conheceu-a num spot publicitário da Zon, onde uma legenda atesta que se trata de um testemunho verídico. E é mesmo! Ana Free compõe e interpreta as suas músicas e começou a projectá-las para o mundo, muitas vezes a partir do seu quarto, através do Youtube. O que conseguiu? Tornar-se cantora sem contrato assinado com nenhuma editora e ser tão conhecida ou mais do que muitos dos que andaram atrás de um. Estratégia de mercado? Premeditação? Acho que ao vê-la num destes clips nenhum de nós pode deixar de concluir que não. Ao surpreende-la a cantar em cima da cama, no seu quarto, não pude deixar de recuar uns anitos e de reencontrar naquelas imagens uma boa parte de mim. Não vos acontece o mesmo? Ana Free limitou-se a compor e a cantar com a frescura da sua idade e a partilhar as suas emoções com outros. Tinha, certamente, desde pequena o sonho de se tornar cantora. Ao sonhar acordada em cima da sua cama, pôs em marcha o seu plano porque para isso bastava o espelho que provavelmente teria em frente, o urso de peluche a servir de plateia e o coração desejoso de dar forma, som e melodia a palavras que eram demasiado grandes para ficar apenas dentro de si. Eu dancei e cantei assim, como a mesma felicidade, horas a fio, e acho que até hoje ainda não desisti de acreditar que os sonhos não têm preço e que maior parte deles até se realiza de graça. Não acham que esta Ana só podia ser Free?

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Uma pergunta mágica...



Que artes de magia fazem com que princesas desencantadas com o ensino brinquem às escolas e sonhem ser professoras?
Será que sabem ser possuidoras de mágicos pós de perlimpimpim?
Aceitam-se palpites!

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Ontem no Cavalia

Não encontro palavras, por mais tecidas que sejam, que consigam fazer justiça ao que os olhos viram e a alma sentiu.
São duas horas que correm, voam, dançam, encantam, num hino dedicado à liberdade do movimento. Duas horas em que mergulhamos na magia pura e sublime de corpos de homens e cavalos, perfeitos, esculpidos, que se fundem como se de uma só entidade se tratasse. Essa mesma magia, magistralmente criada pelos cenários e respectivos efeitos de luz e imagem que nos deslumbram, acompanhada por uma orquestra ao vivo e de um guarda roupa de fazer sonhar, conduz-nos por florestas encantadas de uma Irlanda perdida no nosso imaginário, povoada de príncipes e princesas celtas, de noivas góticas, de personagens cuja alma se resguardou no tempo para ali ontem reencarnar e nos encantar.
Viajamos pelas quatro estações de um lugar intemporal e comungamos, de forma comovente, da harmonia, respeito e nobreza com que homens e cavalos se relacionam, numa cumplicidade que torna impossível identificar domador e domado. Os cabelos dos homens são crinas correndo ao vento. As crinas dos cavalos esvoaçantes e lustrosos cabelos de nobres personagens de histórias de encantar. A imagem que promove o espectáculo não podia, por isso, ser mais fiel e mais poderosa. Opostos que se completam. Diferentes reflexos de uma mesma essência. A Liberdade do Movimento! Tive tanta vontade de me tornar um deles!

terça-feira, 21 de outubro de 2008

E os segredos?...

Há anos que tenho uma enorme vontade de aprender linguagem gestual.

Sempre me fascinou, desde pequena, assistir às conversas entre surdos/mudos. Ficava, e fico, atenta à sua linguagem corporal, às vicissitudes da sua expressão facial. E se é verdade que quem não sabe falar a língua das mãos fica fora do discurso, é também verdade que fora da comunicação só fica quer não estiver interessado em perceber que as palavras são a ultima coisa que nos aproxima uns dos outros.

Num mundo onde os benefícios e malefícios da globalização se sentem a cada dia que passa, parece-me estranho, senão mesmo caricato, que se continue a ignorar que existe uma linguagem que não tem fronteiras, nem raça, nem idade e que tendo surgido da necessidade de comunicação de quem nasceu privado de parte dela é bem mais rica, porque absolutamente universal!
Definitivamente, aprendendo-se nas escolas de todo o mundo esta linguagem, que teimosa ou ignorantemente mantemos confiada e confinada à categoria da deficiência, não só ficaríamos mais ricos como inegavelmente mais próximos.

No passado Sábado uma tromba de água, que se abateu sobre Lisboa durante não mais de vinte minutos, paralisou a cidade por mais de uma hora. Presa no trânsito, entre constantes consultas ao relógio e alguma indignação por mais uma vez constatar que nunca nos poderemos dar ao luxo de uma verdadeira catástrofe, dei por uma conversa gestual num dos carros ao meu lado. Conversavam, animadamente, talvez apenas trivialidades do dia-a-dia. Talvez mãe e filha. Só nessa altura me ocorreu... E os segredos?

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

19 de Outubro - Thievery Corporation alive!


A noite estava cálida como poucas estiveram este ano, quase sem Verão.
O Coliseu foi enchendo, timidamente, ao sabor de quem não tem pressa de chegar. Passavam apenas cinco minutos da hora quando o palco se encheu de luz e cor. O Coliseu já estava cheio! A música rebentou, impiedosa. O publico, como sempre, demasiado contido. No ar uma música fluída- que oscilava entre sons electrónicos, vibrações da Índia e Reggae- tinha como pano de fundo os LEDs do ecrã que projectava caleidoscópios de cor, num alucinante efeito que trazia o melhor do LSD para o concerto. Música de intervenção à mistura com referências a uma Índia quase alucinógena e que apetece dançar, repescando o melhor daquilo em que se acreditou nos anos setenta mas que ficou por realizar. Terá chegado a hora? Talvez não. Mas vale o projecto, pelas bocas que entretanto alimentar, e vale a música pelos sentidos a que apelar. Se dancei? Desenfreadamente! And i could have danced all night!





sexta-feira, 17 de outubro de 2008

A brincar a brincar...





E se, a brincar a brincar, descobrisses um livro que, de A a Z percorresse os nomes de meninos e meninas que conheces e que, talvez, até andem lá por casa? E se o abrisses e descobrisses dentro dele um mundo de coloridas e divertidas ilustrações capazes de nos contagiar pela cor, movimento e forma? Eu já descobri, e gosto de partilhar (alguns) segredos!... Logo à noite sei que vai ser mais fácil!!!! ;-)

A Vida em Hi-fi



17 de Outubro ´08 - Foi Hoje!
É inevitável relembrar Nuno Markl na criação deste blog. Há que tempos que andava a pensar nisto. Porquê? Ainda nem sei bem. Provavelmente pela compulsiva necessidade que sempre tenho de partilhar. E, se mais não forem, os blogs são pelo menos isso - espaços de partilha! Para quê? Seguramente para vos poder encontrar em mais um lugar!

Porque é que me lembrei do Nuno Markl neste momento? Não é ele que diz que há vida em Markl? Pois eu digo que há Vida em Hi-fi. Sabem qual é alta fidelidade da Vida? O Amor! Por isso, na hora de "comprar" os afectos que consumimos no dia-a-dia, sejamos ambiciosos! Não nos contentemos com menos do que a hi-fi da Vida! Sejamos capazes de ouvir dos outros todos os sons, todos os tons em que eles chegam até nós. Quando se ouve bem percebe-se melhor!

Vamo-nos encontrando por aqui?